quinta-feira, 10 de julho de 2008

O Jovem no mercado do trabalho

O discurso da reestruturação produtiva, tem enfatizado a necessidade de um novo tipo de trabalhador, mais qualificado, com nível maior de escolaridade, assumindo mais responsabilidade, mais participante e comprometido com os objetivos da empresa. Os empresários exigem um trabalhador que tenha iniciativa, “seja criativo e responsável, saiba resolver problemas, trabalhar em equipe, lidar bem com constantes inovações tecnológicas e que seja portador de uma alta capacidade de abstração que o predisponha a constante aprendizagem”. Ora, o perfil assim delineado atende mais aos princípios educacionais humanistas, que aos requisitos de uma formação estritamente técnica e especializada da mão-de-obra. A questão que proponho discutir, então, relaciona-se, de um lado, com as exigências que definem um novo tipo de trabalhador e, por outro lado, com a maneira pela qual esse trabalhador percebe as mudanças que estão ocorrendo no processo de produção. Que tipo de trabalhador está sendo recrutado pelas empresas? Qual o seu conhecimento a respeito das inovações que afetam o seu trabalho? Qual a extensão e como os operários percebem a sua participação no processo de trabalho?


Algumas análises a respeito da juventude, até incorporadas ao senso comum, caracterizam os jovens dos anos 60 pela sua rebeldia, os da década de 70 segundo o estereótipo da recusa do trabalho, enquanto os jovens dos anos 80 são definidos pelo seu individualismo e conformismo. Algumas pesquisas recentes têm procurado traçar o perfil do jovem dos anos 90 e, no que se refere à juventude da Europa, duas tendências parecem evidentes: o prolongamento da idade juvenil e um novo significado de ser jovem, bem como o crescimento das expectativas com relação ao trabalho, principalmente em decorrência do aumento do nível de instrução, que os leva à recusa de trabalhos com pouco prestígio social.


Alguns autores verificaram uma mudança na relação dos jovens europeus com o trabalho: “Enquanto no modelo tradicional a realização pessoal estava subordinada ao trabalho, hoje é o trabalho que tende a estar subordinado à realização pessoal, permanecendo entretanto como um elemento e um locus essencial, embora não exclusivo. Nesse sentido, não se trata tanto de uma rejeição do trabalho, mas sim de uma reivindicação de um trabalho que tenha sentido para o próprio indivíduo e/ou que lhe deixe tempo para uma vida própria”.


Para explicar a mudança na concepção do trabalho é preciso considerar a situação do mercado de trabalho nos anos 90. Contrastando com um quadro, no passado, em que o jovem, uma vez alcançado o posto de trabalho, o via como permanente e nele buscava realizar-se e melhorar sua posição, a conjuntura atual é de insegurança e de grande mobilidade ocupacional. Diante da quase inexistência de trabalho em tempo integral, os ovens tendem a inserir-se no mercado com contratos de trabalho atípicos ou mais flexíveis, em tempo parcial, por tempo determinado, temporários e como subcontratação. De acordo com Chiesi e Martinelli, diante dessas condições, os jovens ainda conseguem desenvolver atitudes positivas diante do trabalho, chegando até a encarar favoravelmente a flexibilidade da relação de trabalho, aí encontrando possibilidades de aquisição de capacidades profissionais e de experiência.


Para os jovens brasileiros, das classes baixa, média-baixa, e uma parte da classe média, o mais importante é estar empregado Observa-se também que os homens entram mais precocemente no mercado de trabalho do que as mulheres, confirmando, assim, uma tendência internacional. Algumas das jovens entrevistadas estavam vivendo a sua primeira experiência de trabalho e, segundo um dos diretores do sindicato, existem subsetores que preferencialmente as contratam, mas oferecendo condições desiguais com relação aos homens:


Para entender o apego desses jovens ao trabalho é preciso considerar mais detalhadamente a ameaça constante do desemprego. De acordo com o Ministério do Trabalho, entre 1990 e 1995, o Brasil perdeu 2,1 milhões de empregos formais, sendo que 1,4 milhões (67%) referiam-se a trabalhadores com menos de 24 anos (cf. Pochmann, 1998). A pesquisa sobre o emprego e desemprego realizada pelo Seade/Dieese tem revelado o aumento constante da taxa de desemprego entre os adolescentes e jovens. Em dezembro de 1985, a taxa para os que tinham entre 10 e 14 anos era de 35,3%, passando em dezembro de 1997 para 46,4%. Na faixa etária de 15 a 17 anos, aumentou de 24,9%, em dezembro de 85, para 42,3% em dezembro de 1997. Para os jovens com idade entre 18 e 24 anos, as taxas são de 13,3% e 22,4%, respectivamente (Dieese, 1998b, p.49).

Pochmann aponta, ainda, que as oportunidades de trabalho para os jovens tendem a se concentrar nas pequenas e microempresas que, no entanto, são conhecidas pelas condições precárias de trabalho que oferecem, além dos baixos salários e a instabilidade contratual, responsável pela alta taxa de demissão: 72% para os jovens, enquanto para pessoas com mais de quarenta anos é de 34%. Durante a primeira metade dos anos 90, contudo, foram as empresas com até 20 empregados que apresentaram um saldo positivo de 144,6 mil novos empregos em todo o país, enquanto as empresas com mais de 250 empregados reduziram um milhão de postos de trabalho para pessoas com menos de 24 anos.


O desemprego juvenil, sempre mais alto do que a média do desemprego em geral, é um fenômeno presente em muitos países, fazendo com que ocorra a banalização dessa situação, tornada comum entre os jovens. Mas, não deixa de constituir uma experiência negativa e traumatizante para a maioria dos jovens. Os relatos obtidos de jovens desempregados, por Bajoit e Franssen, revelam o sentimento de culpa e de vergonha, de desvalorização social, responsável muitas vezes pela perda da identidade social e até mesmo da identidade pessoal.


Escolaridade e qualificação profissional do jovem


Hoje em dia pagam muito pouco e exigem muito mais. Antigamente era até a oitava série, hoje pedem faculdade, computação. Quanto mais curso você tiver melhor”.

As empresas dão mais preferência para o jovem, mas com estudo. Quando entrei aqui só tinha a quinta série, fiz a escolinha da empresa e concluí o primeiro grau. Minha vontade é continuar estudando, mas agora é mais difícil, é por sorteio, escolhem um ou dois de cada seção.”

Estes dois depoimentos demonstram com clareza como os jovens se apropriam do discurso formulado por empresas e autoridades educacionais, divulgado amplamente pelos meios de comunicação de massa, de que hoje, para se ter um emprego, é preciso ter escolaridade maior. Por experiência própria, ou através de amigos e parentes, conhecem as exigências que são feitas e que definem um novo modo de ser trabalhador. O gerente de uma das empresas pesquisadas disse-me que, diante da necessidade de produzir cada vez mais e com mais qualidade, não contratava para ajudante de produção quem não tivesse pelo menos o segundo grau. Na verdade, verifiquei posteriormente que vários jovens operários da empresa não tinham nem o primeiro grau completo. O importante, contudo, é que a pressão sobre a mão-de-obra é feita no sentido do aumento da escolaridade. A tentativa de continuar estudando significa não só a vontade de ter um emprego melhor mas, principalmente, manter o que tem.


O que se observa, a partir de dados fornecidos pelo Ministério da Educação, é que o nível de escolaridade dos brasileiros vem aumentando sistematicamente.


Gomes (1997), em sua pesquisa, afirma que a escolaridade constitui um critério apenas secundário para a obtenção de empregos ou permanência neles, no caso de jovens pobres. Ainda que esses jovens manifestem, em suas falas, “interesse, valorização e expectativas razoavelmente elevadas no que diz respeito à escolaridade (Gomes, 1997, p. 59), quando inseridos na vida escolar apresentavam um fraco desempenho e até acentuada intolerância à rotina escolar, preferindo a situação de emprego.

Ainda que esta análise seja convincente, é preciso considerar o quadro geral que os jovens encontram nas escolas públicas: falta de professores e professores faltantes, professores e funcionários desestimulados, alguns até acomodados, professores com formação precária e baixa qualificação; o preconceito, por parte da administração escolar e dos professores, que diante de jovens pobres, com dificuldades de aprendizagem e, de fato, marcados por experiências de fracasso escolar, os qualificam geralmente como marginais “perigosos”, insubordinados e deficientes mentais. Assim estigmatizados, são classificados como impossíveis e casos perdidos, relegados a um destino de repetência e, finalmente, de exclusão: “já que não dá para o estudo, que vá trabalhar”.


Baseado no texto: O processo de reestruturação produtiva e o jovem trabalhador: conhecimento e participação - HELOISA HELENA T. DE SOUZA MARTINS

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